Como os amapaenses da OrçaFascio criaram a maior plataforma de orçamento de obras do país
A OrçaFascio é uma startup amapaense, criada em 2010, que se tornou o maior site de orçamentos de obras de construção civil do país, com 47 mil usuários cadastrados e um crescimento médio de 135% ao ano. Em 2017, faturou 700 mil reais com o licenciamento dos três softwares que oferece. Entre os clientes há empresas e instituições de porte, como Infraero, Embrapa, Sabesp e o Exército Brasileiro. A startup já exporta sua tecnologia para parceiros em Angola, Portugal e Estados Unidos e, em 2018, quer abrir um escritório no Canadá.
A equipe da OrçaFascio, em Macapá. Ao centro, de braços cruzados, os fundadores Fábio Santos e Antonio Fascio (camiseta branca).
Os
dados acima mostram uma trajetória de sucesso, que é marcada pela
persistência de seu fundador, o amapaense Antonio Fascio, 40, que apesar de ter
frequentado duas faculdades, uma de engenharia e outra de sistemas de
informação, considera-se autodidata. Ele teve a sacada de usar a
sonoridade de seu sobrenome (que lembra “fácil”) junto à corruptela
de “orçamento”, daí OrçaFascio. Antonio não concluiu nenhuma das
faculdades, e acredita que sua formação se deu mesmo na labuta, com a mão
na massa:
“Fui criado no meio de peão, fui educado nas obras e não na
Sorbonne”
A
intimidade com orçamentos de obras remonta à sua adolescência, quando aos 15
anos começou a ajudar seu pai, que era dono de uma construtora. Depois que o
pai morreu, Antonio permaneceu por anos ao lado do irmão no negócio familiar,
até que, em meados de 2003, surgiu a vontade de ter a sua própria empresa de
engenharia e tecnologia.
O
PRIMEIRO BUSINESS DÁ ERRADO, MAS ENSINA
O
dinheiro para investir no negócio só viria três anos depois, em 2006, com a
venda de uma casa. Sua aposta inicial foi uma espécie de ensaio para
o que viria a ser a OrçaFascio — hoje, o software para engenheiros permite uma
pesquisa simplificada e preços atualizados automaticamente, além de seguir as
regras do TCU (Tribunal de Contas da União). Bem diferente de sua primeira
versão. “O software não era intuitivo, rodava numa versão desktop que precisava
ser constantemente atualizada pelo usuário, além disso, não se diferenciava das
ferramentas existentes do mercado. Em resumo, o dinheiro acabou e a empresa não
saiu do papel”, conta o empreendedor.
É
desta experiência que Antonio tirou uma de suas máximas: “Dinheiro atrapalha
uma startup”. Ele se explica, dizendo que é importante que o dono de um negócio
se envolva pessoalmente em todos os processos: da administração, passando pela
criação de conteúdos, até o relacionamento com os clientes. Quanto ao sonho de
ter a sua empresa, ele ainda teve que esperar alguns anos até que em 2009,
cursando o último ano de sua segunda graduação de sistemas de
informação, sentiu que estava pronto para retomar os planos.
Foi quando
conheceu o programador Fábio Santos, 33, hoje seu sócio na OrçaFascio.
Antonio conta que Fábio passou um orçamento de 10 mil reais para fazer a
programação do site e mudou de ideia quando ele lhe apresentou uma nova
proposta. Ele conta:
“Cheguei até ele com uma mochila onde estava o dinheiro e
perguntei se ele preferia os 10 mil reais ou 50% do negócio. Ele aceitou a
sociedade e eu pensei, aliviado, que dessa vez não iria me ferrar sozinho”
Sem
ter que desembolsar os 10 mil reais na feitura do site, de fevereiro de 2010 a
abril de 2011, os dois sócios gastaram apenas 80 reais por
mês com o servidor do, enquanto trabalharam na construção da
plataforma todos os dias, das nove da noite até meia-noite,
impreterivelmente. Na época, ambos eram funcionários públicos e tiveram que
conciliar o trabalho com a função de empreendedores para se manter
financeiramente. Ambos são casados e têm família. Antonio é pai de cinco crianças
e Fábio tem dois filhos.
No dia 11 de abril de 2011, a OrçaFascio lançava sua primeira
plataforma estável sem banda larga disponível — a tecnologia só
chegaria a Macapá em 2014. Finalmente, eles tinham em mãos um sistema
orçamentário fácil de usar e capaz de proporcionar uma economia de até 20% na
cotação das obras, já que a plataforma possui uma base de dados integrada
ao Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil
(SINAPI), que informa com precisão a quantidade e os custos com material, mão
de obra e equipamentos, além do tempo máximo de duração da obra.
COMO
MONETIZAR UMA BOA IDEIA?
Apesar
de acreditarem ter em mãos um bom negócio, Antonio e Fábio, não sabiam
como monetizá-lo, pois ainda não tinham ainda encontrado um modelo de
negócio sustentável. À época, a plataforma tinha 15 mil usuários, que
usavam gratuitamente o sistema, e crescia em um ritmo de 25 usuários por dia. A
participação deles na Campus Party Recife, em 2014, seria um divisor de
águas para a startup. Antonio conta que foi um amigo quem tomou a iniciativa de
inscrever a OrçaFascio no evento:
“Sou preto, pobre e moro longe. Você acha mesmo que a Campus
Party vai dar bola pra mim?”
Foi
com esta reação que Antonio recebeu a notícia, mas, para sua surpresa,
a OrçaFascio não somente foi selecionada para participar do evento, como
seu negócio se consagrou como destaque daquela edição. “Para falar a verdade,
foi ali que descobri que tinha uma startup, um modelo que poderia ser
escalável. Tínhamos que preparar um pitch e eu precisei que pesquisar no
YouTube para saber o que era isso”, conta.
Ao
final de três semanas transformadoras, os dois sócios voltariam para
Macapá com um plano de negócios e uma versão paga da plataforma. Em 2015, as
assinaturas anuais (que hoje vão de 899 reais a 1500 reais) começaram a
ser comercializadas. Ainda é possível usar o software gratuitamente, mas
algumas funcionalidades são restritas a assinantes, como a geração de
relatórios. No primeiro mês com a versão paga rodando, o faturamento
da startup pulou de dois para oito mil reais.
Outra
virada importante para a OrçaFascio foi a participação no programa de
aceleração da Startup Farm, entre abril e maio de 2016, em São Paulo. Como
resultado da experiência, novas mudanças no modelo de negócio foram feitas, o
que resultou em um crescimento de 400% em relação ao ano anterior. O plano
gratuito passou a valer apenas para orçamentos de até 100 mil reais e a
permitir cinco consultas de composição (como se chamam serviços que
compõem uma obra, tais como limpeza do terreno, alojamento, escavação etc.) por
dia, restrita à tabela SINAPI. No total, a plataforma possui 13 tabelas com 57
mil composições disponíveis.
O
CANADÁ E O MUNDO, SEM ESQUECER O AMAPÁ
Atualmente,
a OrçaFascio tem três tipos de programas: o carro-chefe é a
plataforma para planejar o orçamento da obra (“Módulo Orçamento”), o segundo é
um programa que faz o controle dos materiais no canteiro de
obras (“Módulo Compras”) e um terceiro funciona para analisar o andamento
da construção (“Módulo Medição de Obra”).
Antonio
diz que em breve quer lançar o “Diário de Obra”, reformular o Módulo de Medição
e também lançar uma espécie de OrçaFascio turbinado, que faz parte dos planos
de internacionalização. O Canadá foi o país escolhido para isso, por se tratar,
na visão dos sócios, de um celeiro de tecnologia e uma porta aberta para os
Estados Unidos. Os planos incluem uma temporada de sete a oito meses no Canadá
e a previsão de abertura do escritório é outubro de 2018. Eles esperam faturar
meio milhão de dólares já no primeiro ano.
A
equipe da OrçaFascio hoje tem 12 pessoas (ainda que no
site apareçam apenas sete): são cinco no Desenvolvimento, três
em Vendas, duas no Marketing e Suporte, Fábio como CTO e
Antonio, como CEO. Além da internacionalização, há o plano de
mudar a operação da startup para São Paulo, mantendo apenas o
Desenvolvimento em Macapá, mas os sócios são cuidadosos com este passo.
“Hoje,
contamos com um programa de pré-aceleração do Sebrae do qual fazem parte 30
startups e o StartupDay Amapá, também criado por eles. Não queremos perder este
momento. A solução, por enquanto, é passar 15 dias em São Paulo, a cada dois ou
três meses”, diz Antonio. Ele e Fábio prestam mentoria a outras startups e
também fundaram uma associação de empresas de base tecnológica em Macapá.
É assim que, mesmo que cresçam e saiam dali, pretendem seguir
influenciando e estimulando a formação de um ecossistema de startups no Amapá.
Comentários
Postar um comentário
COMENTE AQUI